Estatuto Jurídico dos Animais | Portugal vs Reino Unido

O ano de 2017 foi marcante em Portugal no que respeita aos animais, na medida em o legislador português, com a alteração legislativa ao Código Civil pela Lei nº 8/2017, deixou de considerar os animais como “coisas”, reconhecendo-os como seres sencientes (Artigo 201º-B Código Civil: “Os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza”), estabelecendo-lhes um estatuto jurídico.

A preocupação com a causa animal não é propriamente recente, tendo existido em 1987 uma Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, aprovada em Portugal com o DL nº 13/93 de 13/04. Posteriormente, no ano de 1995 é também aprovada a Lei nº 92/95 de 12/09 relativa à proteção dos animais.

No entanto, mostrava-se imperioso alterar o estatuto jurídico dos animais, afastando-o das coisas, visto que só assim se consegue realmente alterar o panorama, na medida em que: o que interessa reconhecer direitos se não era reconhecido o sujeito desses direitos?

Apesar da importante intervenção legislativa, não poderíamos deixar de fazer uma ressalva: o artigo 201º D do Código Civil, que determina a aplicação subsidiária aos animais das disposições relativas às coisas, desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza.

Ora, percebe-se assim que, apesar da alteração do estatuto jurídico dos animais (que é um louvável avanço), poderemos ter situações em que os animais são tratados juridicamente como coisas, o que não deixa de ser, no mínimo, curioso.

A verdade é que Portugal tem, desde 2017, atribuído uma maior importância aos animais, consagrando em diplomas a proteção que estes merecem. Destaca-se a Lei nº 95/2017 de 13/10, que regula a compra e venda de animais de companhia em estabelecimentos comerciais e através da Internet; a Lei nº20/2019 de 22/02 que reforça a proteção dos animais utilizados em circos; o DL nº 113/2019 de 19/08 relativo à occisão de animais; e a Lei nº 39/2020 de 18/08 que altera o regime sancionatório aplicável aos crimes contra animais de companhia.

No que toca ao Direito Comparado, no mês de maio de 2021, o Governo Britânico anunciou um conjunto de medidas relacionadas com o bem-estar animal, reconhecendo os animais como seres com sentimentos e emoções.

Estas inovações legislativas abarcam um vasto leque de alterações, como a proibição de utilização de coleiras eletrónicas, a proibição da importação da maioria dos troféus de caça, a proibição da exportação de animais vivos para engorda ou abate e a proibição de manter primatas como animais de estimação.

A verdade é que revela-se, no mínimo, assustador o facto de um governo de um país desenvolvido, como o Reino Unido, reconhecer apenas este ano os animais como seres com sentimentos e emoções.

No entanto, tal avanço é significativo, na medida em que mostra um culminar de uma evolução de mentalidade generalizada (composta por diversos outros diplomas relacionados com o Bem-Estar Animal, como o Animal Health and Welfare Act 1984, Animal Welfare Act 2002 e Animal Welfare Act 2006) e o impacto dessa evolução na política. Por outro lado, consolida uma importante orientação em relação aos animais, promovendo a sua proteção.

O que é essencial é que esta nova visão em relação aos animais seja acompanhada de uma efetiva proteção dos mesmos, ou seja, acompanhada de medidas concretas capazes de fazer jus ao reconhecimento dos animais como seres sencientes.

Neste seguimento importa referir que, no Parlamento do Reino Unido, está, desde maio de 2021, em curso a aprovação de um Projeto de Lei do Bem-Estar Animal relativo à Senciência (Animal Welfare (Sentience) Bill), que pretende criar um Comité de Senciência Animal com o objetivo de efetivar a política governamental sobre o bem-estar dos animais como seres sencientes.

No mesmo sentido, desde junho de 2021, está a ser apreciado no Parlamento do Reino Unido um Projeto de Lei do Bem-Estar Animal relativo a Animais Mantidos (Animal Welfare (Kept Animals) Bill).

Resta agora esperar por desenvolvimentos legislativos, tanto no Reino Unido como em todos os países do Mundo, aguardando o momento em que se poderá falar de uma efetiva proteção dos direitos dos animais.

Por: Inês Godinho, Estagiária Curricular
BQ Advogadas, S.P., R.L.

EnglishFrenchPortugueseSpanish