Em Portugal, não existe uma legislação específica que regule a nível nacional a proibição ou a possibilidade de alimentar animais errantes na via pública, deixando para as Câmaras Municipais a autonomia para decidir sobre este assunto.
Cabendo às mesmas, de acordo com a legislação em vigor, proceder ao controlo das populações de animais errantes, de modo a salvaguardar a saúde pública e o meio ambiente, bem como promover a correção das situações que possibilitam a subsistência de animais na via ou quaisquer outros lugares públicos.
Contudo, a maior parte dos municípios acaba por estabelecer, sem razão efetiva aparente, a proibição de alimentar animais na via ou espaços públicos e municipais, mesmo no âmbito das chamadas colónias de gatos, apesar da mesma não se coadunar de todo com legislação geral existente no nosso ordenamento jurídico.
Tal exemplo é o facto da Lei nº 27/2016, de 23 de agosto, estabelecer no seu artigo 4.º a captura, vacinação e esterilização dos animais errantes, por razões de saúde pública, assim como o programa Captura, Esterilização, Devolução (doravante CED) para gatos, permitindo-se assim as denominadas colónias de gatos.
Ora, assim, não parece que a defesa de saúde pública também alegada pelos municípios para proibirem a alimentação de animais seja atendível e, muito menos, seja provida de algum sentido, visto que, é a própria legislação nacional que define que os programas CED são os mais indicados para o controlo das populações de colónias de gatos.
Uma vez que estabiliza o número de animais nestas colónias, eliminando comportamentos associados ao acasalamento e que passa por ser proporcionada uma alimentação correta, completa e equilibrada e não por deixar estes animais morrerem à fome.
Este tema teve em foco no mês passado, através da apresentação por parte do PAN de um projeto de Lei, que foi rejeitado, na Assembleia da República. Tal projeto de Lei visava tornar legal a alimentação de animais errantes, sendo que o Partido considerava fundamental que fosse “(..) aprovada legislação nacional que determine os requisitos de admissibilidade da alimentação de animais errantes ou colónias na via pública, definindo o modus operandi dos cuidadores na sua nobre tarefa e de forma a assegurar também outros interesses públicos.”.
O objetivo não seria tirar a competências aos órgãos municipais, mas apenas compatibilizar os regulamentos com a legislação nacional, tendo sido considerado no projeto de Lei suprarreferido, e a nosso ver muito bem, que hoje em dia é moralmente indefensável proibir uma população, que se quer mais sensível, de alimentar um animal, deixando-o a morrer à fome.
Qual será o critério? Visto que temos assistido no nosso direito uma evolução, quer na criminalização, quer como na reprovação de comportamento impróprio e cruel contra animais, mas depois restringe-se uma liberdade básica para o bem-estar animal.
Parece que apenas nas colónias de gatos, e apenas nos municípios em que as mesmas existam, é que é possível alimentar tais animais de forma “legal”. Nos restantes casos, os cidadãos estão sujeitos a coimas, a nosso ver por serem seres humanos conscientes.
Concluindo, estamos em crer que estas proibições a nível municipal vão contra quer o espírito, quer contra o conteúdo de uma legislação nacional, o que deveria levar à nulidade das mesmas, contudo tal não acontece e iremos continuar a fazer depender de municípios a estipulação desta proibição e daquilo a que os mesmos consideram como salubridade e saúde pública.
Por: Ana Salgado Pereira
BQ Advogadas, S.P., R.L.